Dentro de minh'alma existe um arquivista. Seu trabalho é de um esmero sem fim. Tudo que preciso esquecer, ele o faz com maestria. Das dores do passado, dos traumas que vivi e do que quero esquecer, nada foge do sentenciar de sua função. E como todo bom arquivista, nada está perdido, apenas catalogado e empratilheirado numa estante sem fim. O problema é quando esses arquivos voltam a tona, saltam de suas caixas e se espalham pelo chão. O arquivista não se compromete com o encerramento do que ali está, não é sua função.
Dentro de minh'alma também vive um ávido leitor de vidas. Um bibliotecário, por se dizer. Sedento e ferrenho pra conhecer mais de mim, ele lê tudo o que passa em sua frente. Como uma traça de livros, devora, deglute e refestela no que leu. Nunca saciado, nunca satisfeito. Busca saber onde estou em cada pedaço da história de outras vidas. O bibliotecário sempre se frusta por saber sempre muito dos outros, e pouco do que ele quer encontrar. Percebe que eu, invariavelmente, sou apenas um coadjuvante breve em todos os livros que lê. Passageiro, efêmero. Venho e vou por onde passei. Alguns livros, um capítulo inteiro, outros, uma nota de rodapé. Nada que complete o panorama geral.
O arquivista e o bibliotecário não se entendem. Um tenta arquivar e encerrar a leitura, e o outro quer escancarar o que foi vivido. Um odeia o caos do que surge e o racionaliza, e outro goza das loucuras do escritor. O único livro em que sou personagem principal é o meu, mas este está em centenas, milhares de caixas, catalogadas e cerradas nos recônditos de minh'alma.
Nenhum comentário:
Postar um comentário