domingo, 16 de janeiro de 2022

Duke of Love

Mais uma noite. Mais um corpo vencido. Ele executa os seus movimentos como se tivesse ensaiado milhares de vezes. Mãos, pele, seios, barrigas, pescoços, genitais. Beijos, carícias, gemidos. Falas no calor da emoção, intensidade, até mesmo uma violência lúdica. Tudo bem feito, da melhor forma, como um chef estrelado em uma cozinha famosa. Rasgam-se elogios, palavras vão-se ao ar.

 Todos saem satisfeitos. Sobem-se as roupas íntimas, as calças e os calçados. Se beijam, marcam de se ver novamente, "vamos comer naquele restaurante lá",  e seguem seu caminho. Eles devem conversar um pouco posteriormente. Qual era bem a história dela? Acho que o pai tinha perdido tudo numa pirâmide. Sei lá, não faz muita diferença. Ele sabe bem o lugar dele na vida dela e vice versa.

Veste sua jaqueta. Caralho, essa cidade sabe bem ser gelada quando quer. Dessa vez não veio de carro, o metrô ia servir bem naquela parte da cidade. Puxa o maço do bolso e risca o fósforo, e ele nem gosta de fumar, mas a fumaça o agrada de uma forma esquisita. "Sistema límbico é o que dizem, ou vidas passadas, vai saber...". Descer do prédio e ir até a esquina pra pegar a última composição. Aproveita e vê o caminho. Milhares de luzes, com vidas, sorrisos, histórias mirabolantes. Alguém deve tá indo dormir e alguém acordando, a vida tá tão confusa nesses últimos anos. Um mendigo ajeita uns papelões pra aguentar a noite. Vai saber o que passou pra ele chegar até ali, provavelmente a vida dele foi um redemoinho gigante. Se compadece, sente que a vida de ambos estão vazias da mesma forma, puxa um trocado do bolso e dá pro senhor, "é pra tomar um que esquente hein?" ri e se vai. 

Viu um bar, desses meio pub, ainda aberto. É domingo e amanhã ele tem que trabalhar, mas e daí? Não que faça muita diferença a cara de merda que ele vai chegar, as transas já não são mais tão eficientes em resolver isso. Entra, senta na bancada e pede uma dose de whisky. Pode ser red label mesmo, é só pra ter algo pra fazer enquanto senta ali. Abre o celular, olha pelas mensagens sem muita pretensão. Alguns grupos falando sobre futebol, mensagens da família que ele jura que amanhã responde e umas cinco garotas mandando "oi", "vc sumiu", "ainda lembra de mim?"'. Já foram, ele não se importa mais o suficiente pra dar qualquer tipo de atenção.

"É igual cocaína, mas a emoção tá só na primeira vez. A graça está no desfolhar, no conquistar, no troféu pra colocar na estante imaginária." Que comparação merda e machista, e ele sabe disso. Só que a pior verdade nisso é saber que igual a droga, cada vez tem menos euforia e mais depressão. O buraco só cresce e ele sabe disso, visto que foi ele que cavou, pá a pá. Ele leva a mão ao cavanhaque e depois ao cabelo. "Que que eu to fazendo? Puta que pariu", resmunga ele. Isso não vai longe, mas já foi muito mais do que ele esperava. É um caminho que afunda toda vez que ele chega em casa e deita sozinho. Sempre com alguém, mas nunca acompanhado. Tudo se foi junto com a inocência.

Sentado olhando pro bar, vê um trio de amigas, rindo com copos e canudos. Uma delas olha pra ele e volta rindo pras amigas. Já viu acontecer antes, sabe onde vai parar isso. De novo, o ciclo de ourobouros, a cobra que morde o próprio rabo. Vira o copo, levanta e vai lá. É o seu trabalho afinal, é o que ele faz de melhor. Nenhum membro da realeza poderia fazer o que ele faz.