quinta-feira, 9 de abril de 2015

Ed Motta e a Nova Dicotomia do Espectro Político Brasileiro

  Para quem me conhece bem, sabe que eu sou bastante fã da música do Ed Motta. Devo conhecer quase todo seu trabalho, desde o inicio na Conexão Japeri até o recente (e espetacular) AOR. Recentemente, ele postou em sua página pessoal/profissional, que seu show seria completamente em inglês e que falaria apenas neste vernáculo, pois estaria na europa e, quem quisesse falar com ele, que falasse no mesmo idioma. Depois de ter dito isso, tudo degringolou. Como já conhecido nas redes sociais, sua sinceridade beira a ofensa, já que possui opiniões consideradas nem um pouco políticamente corretas. Falarei disso mais tarde.
  Tive o prazer de ver um show dele, em Bangu, no coração da Zona Oeste suburbana carioca. O show se intitulava "intimista", no qual apenas ele estaria no palco, tocando um teclado ou uma guitarra seus clássicos. Ele chegou um pouco atrasado, devido ao transito, e por isso pediu mil perdões. Diferente do senso comum, elogiou muito o bairro, lembrou do Casino Bangu e chamou o lugar de "um dos berços da música negra carioca". O show se deu tranquilamente, cantou todas as músicas, chegou até a elogiar a voz de um dos membros da plateia. Conversou sobre instrumentos musicais, carros, e até como comprava camisas. No final, agradeceu, e tocou vários "bis", falando que ia acabar tomando uma multa por passar muito do tempo. Recusou sair com alguns do público para beber porque iria viajar e, segundo ele tinha "o costume de não conseguir beber apenas socialmente". 
  Como de costume, faço o papel de advogado do diabo. Há pouco tempo atrás, o mesmo postou em sua timeline o porquê de não aceitar participar de um tour em homenagem ao seu tio. Disse que não entendia de em outros países ser chamado de "O príncipe do Jazz brasileiro", de fazer shows inteiros (inclusive na versão argentina do Lollapalooza)  e aqui ser apenas convidado para fazer participações especiais. Dizem que santo de casa não faz milagre, e isso não foge aqui a nossa lógica. Passamos a exportar nossa pouca cultura porque por aqui, não fazemos questão dela.
  "Então, você concorda no que ele disse?" Não, não concordo. Não acho que o povo, como seus blocos individuais, mereça a arrogância de ouvir que "minha arte é boa demais pra você", ainda mais de alguém que tenha conseguido deslanchar aqui em nosso país, com músicas bastante simples. Em sua inteligência, Ed sabia que lançando uma música que fizesse dançar com uma letra simples, ia render uma boa grana em seus bolsos. Veja aqui, que foi possível formar uma argumentação por uma série de fatores, todos específicos para esse caso. Porém, não é o que vem acontecendo.
  Veja, ultimamente, tudo é política e visão política. Concordar ou discordar do aborto: Política. Concordar ou discordar com uso de droga: Política. Concordar ou discordar do policial matar uma criança: Política. Note, que apesar de tudo isso pertencer ao espectro político, você pode pensar nessas questões de forma individual, baseado em suas convicções e ideologias. Mas, novamente, não é o que acontece.
  Tudo hoje é muito rápido, vivemos a base de fast-food intelectual. Bebemos da fontes de vlogueiros, textos no facebook, frases de 140 caracteres no twitter. Apenas isso. Compramos todas as nossas opniões prontas no pacote, sem poder mexer. Estão ali, estáticas, imutáveis, prontas para serem jogados na cara de nossos adversários On-line. "Coxinha" "PTralha" "Burguês pobre" "Socialista de Iphone". Não temos mais direitos a escolher o que devemos pensar, como devemos pensar, e se há alguma fundamentação em pensar assim. Apenas pensamos, ou melhor, apenas realizamos o ato do não-pensamento.
  Vivemos agora numa dicotomia espacial da política. Algo que se tornou popular novamente, e isso é bom. Há dez anos atrás política era algo exclusivamente pertencente a alguns. O problema, é como tratamos isso de uma forma rasa, simplória. O texto que o Ed Motta escreveu foi duramente criticado por uns com "Como um negro gordo e brasileiro pode pensar assim?", enquanto a tréplica era feita por argumentos como "lá vem o esquerdista". Quando vamos cansar de pensar de uma forma tão futebolística das coisas? Quando pensaremos de uma forma com um senso crítico mais puro?
Se esse pensamento se manter, penso que no futuro, iremos brigar para redefinir qual será o novo sentido do giro do relógio, ou quem sabe, qual será o novo formato da fila do pão. Tudo isso claro, sem deixar de postar um longo texto no facebook.
  É, talvez o Ed Motta não queira mais falar português nos seus shows na Europa, mas talvez, devamos nós, parar de falar de Europa quando nos conseguimos mover apenas para os lados, e no máximo, andar até a África de um Lado, ou a Austrália de Outro.