domingo, 19 de junho de 2022

Capitulo 1: um assassinato em seropedica

 O voyage branco com detalhes pretos encostou no local próximo as 19:00. O Calor de dezembro estava mais forte que o normal e não devia fazer menos do que 30 graus. Cláudio deu a última puxada no cigarro, ajeitou o distintivo no peito e a pistola no coldre abaixo do braço. Abriu a porta com a sigla DECPA e jogou a bituca pra fora e seguiu para o bar. 

-Inspetor Claudio? - dizia o policial militar, com cara de assustado - eu não sei como explicar isso, mas tem um cara com pernas ao contrário lá dentro morto com as tripas pra fora. A gente ia averiguar, mas mandaram a gente ligar pra sua delegacia - dizia o rapaz com medo de ser taxado de insano

- Fica tranquilo, volta pro batalhão e não precisa preencher nada, o pereira vai tá te esperando pra te auxiliar ai no que você viu. - dizia ele com um ar de naturalidade e ao mesmo tempo de enfado

Pigarreou, cuspiu no chão e entrou no bar. Estava no final de Seropédica e ali qualquer coisa acima de cadeiras de plástico e cerveja barata era artigo de luxo. Tudo estava revirado como se um ciclone tivesse passado por ali. Uma trilha de sangue ia ao banheiro com a porta sanfonada entreaberta. 

O cheiro era forte, e com um lenço que usava para limpar a testa, tampou o nariz. A cena, que parecia de terror medieval, estava ali a quase um dia, no chute dele. As pernas invertidas encaixadas de forma perfeita no quadril como se assim fossem naturalmente e o cabelo de fogo eram o menos estranhos, quando comparados com o sangue, as entranhas e o rosto completamente assustado, travado em um rigor mortis.

-Tempo que não via um curupira, ainda mais morto desse jeito - Resmungou consigo mesmo - Cadê a porra do perito pra fazer o laudo? Dezembro não tem um que salva. 

Tirando a cena dantesca, não parecia ter nada ali que ele pudesse tirar de sobrenatural. A morte claramente foi a muitas horas e tinham poucas pessoas na região. Foi pra fora pegar algum sinal e ligar de novo para o perito.

Ao sair, procurava o número no bolso, imerso na raiva de trabalhar naquela semana, mal percebeu o vulto que o olhava fixamente

-Não imaginava que a Crimes Paranormais ia mandar uma viatura a esse fim de mundo - Dizia a voz do outro lado da rua

Imediatamente sacou sua pistola e olhou em direção ao barranco de onde vinha a voz. Um homem negro, de terno branco, chapéu vermelho, claramente segurando uma bengala enquanto se escorava no banco de madeira improvisado. 

-Sandro. Sabia que você ia estar por aqui. Bora, você tem que prestar algumas explicações lá na DP. - Disse Cláudio, apontando firmemente em direção ao homem que não parecia nada intimidado. 

-Mais respeito, inspetor, me chame de Sr. Cinábrio. Vocês sabem que estão violando o acordo, não é? Esse território é da associação e nós resolvemos nossos próprios problemas. Não que vocês fizessem muita coisa. - Dizia ele tirando um cachimbo do bolso do paletó

-Vai tomar no cu, porra - Disse ele com o dedo no gatilho - Uma morte dessas quebra totalmente o pacto, e você tem sorte de eu não descer aqui com a porra toda e trazer tudo abaixo, agora levanta esse rabo e vem pra ca antes que eu te encha de bala

- Ah, Inspetor Claudio, você não faz ideia do que ta acontecendo não é? - Disse ele acendendo e pitando o cachimbo. - As coisas vão mudar radicalmente, e não vai ter pacto que salve nossa relação 

A luz dos faróis da viatura chegando cegou o inspetor, e ao gritar para abaixar, sentiu um vento no rosto, virou-se e o homem não estava mais ali. Esbravejou e foi em direção ao carro

- O que foi? Soube agora no rádio do caso - Disse o homem de bigodes brancos saindo do carro puxando uma maleta. - O silveira já está chegando, ficou pra trás no sinal, descobriu alguma coisa?

- Saci, doutor escarabel. Essa porra foi um saci, e isso vai dar merda - Disse ele guardando a pistola - Resolvam isso, eu vou voltar pra delegacia, preciso conversar com o delegado. 

sexta-feira, 18 de março de 2022

Gueixa

 Tirei os sapatos, entrei e me ajoelhei. Ela estava vestindo a seda mais pura, com olhos serenos e sorriso dissimulado. Seu rosto branco e sorriso vermelho ornava com aqueles desenhos de plantas exóticas. Sentou ao meu lado e com delicadeza me pegou pelo braço, para que eu sentisse seu calor. Me serviu saquê e pediu que eu falasse da minha vida. Não parecia real, mas sentia vontade de contar cada pedaço pra ela. Troquei segredos enquanto ela me acariciava, e mesmo que ela não falasse muito, eu sentia como estivesse dentro do peito dela. Era confortado pela sua doce presença

Mesmo sendo falso, eu fazia o máximo para me enganar. As poucas palavras que ela me dizia pareciam serem feitas para mim, como se ela estivesse esperando para sempre aquele momento. No meio do meu estado ébrio, senti que havia finalmente redescoberto o amor. Sua mão macia me pegou e levou-me para o quarto. Enquanto ela se despia, sentia algo que a muito não sabia descrever. Seu corpo em mim parecia feito um encaixe de fechadura. Nossas mãos deslizavam-se ao encontro no meio do caminho. Sussurros diziam todas as verdades que queríamos dizer, no meio das mentiras construídas por aquele momento. E seus olhos, ah os seus olhos, olhavam tão fundo nos meus que me desbravaram sem o mínimo pudor. Estava rendido, entregue, prostrado. Eu era dela e de mais ninguém, e se de alguém ela foi, isso não importava, era comigo que ela estava. Sentia a mais profunda plenitude, e aqueles minutos viram dias, semanas, anos, éons.

Eu me levantei, e com o coração pesado, parti, sabendo que ela também iria. Quando retornei a minha cama, sentia um vazio imenso, que só ela seria capaz de preencher. Procurava seu corpo em cada canto, em cada esquina. Como a abstinência do ópio, sua falta me fazia querer arrancar minha pele. Eu não era capaz de viver sem que ela estivesse ali comigo. Precisava de tê-la comigo.

A procurei, e quando a achei, era melhor que não a tivesse encontrado. Seus olhos já não eram mais as infinitas piscinas que olhei um dia, e sim vitrais opacos e destituídos da luz que outrora vi. Seu sorriso agora estava cimentado em músculos herculeanos. Não que eles não existissem, só não eram mais para mim. Eu clamava pela sua voz, mas ela me negava, eu pedia seu toque, mas ela não aceitava.

Eu me ajoelhei para chuva e gritei aos céus, e tudo que ouvia era o silêncio. 


domingo, 16 de janeiro de 2022

Duke of Love

Mais uma noite. Mais um corpo vencido. Ele executa os seus movimentos como se tivesse ensaiado milhares de vezes. Mãos, pele, seios, barrigas, pescoços, genitais. Beijos, carícias, gemidos. Falas no calor da emoção, intensidade, até mesmo uma violência lúdica. Tudo bem feito, da melhor forma, como um chef estrelado em uma cozinha famosa. Rasgam-se elogios, palavras vão-se ao ar.

 Todos saem satisfeitos. Sobem-se as roupas íntimas, as calças e os calçados. Se beijam, marcam de se ver novamente, "vamos comer naquele restaurante lá",  e seguem seu caminho. Eles devem conversar um pouco posteriormente. Qual era bem a história dela? Acho que o pai tinha perdido tudo numa pirâmide. Sei lá, não faz muita diferença. Ele sabe bem o lugar dele na vida dela e vice versa.

Veste sua jaqueta. Caralho, essa cidade sabe bem ser gelada quando quer. Dessa vez não veio de carro, o metrô ia servir bem naquela parte da cidade. Puxa o maço do bolso e risca o fósforo, e ele nem gosta de fumar, mas a fumaça o agrada de uma forma esquisita. "Sistema límbico é o que dizem, ou vidas passadas, vai saber...". Descer do prédio e ir até a esquina pra pegar a última composição. Aproveita e vê o caminho. Milhares de luzes, com vidas, sorrisos, histórias mirabolantes. Alguém deve tá indo dormir e alguém acordando, a vida tá tão confusa nesses últimos anos. Um mendigo ajeita uns papelões pra aguentar a noite. Vai saber o que passou pra ele chegar até ali, provavelmente a vida dele foi um redemoinho gigante. Se compadece, sente que a vida de ambos estão vazias da mesma forma, puxa um trocado do bolso e dá pro senhor, "é pra tomar um que esquente hein?" ri e se vai. 

Viu um bar, desses meio pub, ainda aberto. É domingo e amanhã ele tem que trabalhar, mas e daí? Não que faça muita diferença a cara de merda que ele vai chegar, as transas já não são mais tão eficientes em resolver isso. Entra, senta na bancada e pede uma dose de whisky. Pode ser red label mesmo, é só pra ter algo pra fazer enquanto senta ali. Abre o celular, olha pelas mensagens sem muita pretensão. Alguns grupos falando sobre futebol, mensagens da família que ele jura que amanhã responde e umas cinco garotas mandando "oi", "vc sumiu", "ainda lembra de mim?"'. Já foram, ele não se importa mais o suficiente pra dar qualquer tipo de atenção.

"É igual cocaína, mas a emoção tá só na primeira vez. A graça está no desfolhar, no conquistar, no troféu pra colocar na estante imaginária." Que comparação merda e machista, e ele sabe disso. Só que a pior verdade nisso é saber que igual a droga, cada vez tem menos euforia e mais depressão. O buraco só cresce e ele sabe disso, visto que foi ele que cavou, pá a pá. Ele leva a mão ao cavanhaque e depois ao cabelo. "Que que eu to fazendo? Puta que pariu", resmunga ele. Isso não vai longe, mas já foi muito mais do que ele esperava. É um caminho que afunda toda vez que ele chega em casa e deita sozinho. Sempre com alguém, mas nunca acompanhado. Tudo se foi junto com a inocência.

Sentado olhando pro bar, vê um trio de amigas, rindo com copos e canudos. Uma delas olha pra ele e volta rindo pras amigas. Já viu acontecer antes, sabe onde vai parar isso. De novo, o ciclo de ourobouros, a cobra que morde o próprio rabo. Vira o copo, levanta e vai lá. É o seu trabalho afinal, é o que ele faz de melhor. Nenhum membro da realeza poderia fazer o que ele faz.